Apocalipse 13 também diz que a besta “até fogo faz descer do céu à terra” diante das pessoas (13:13). Paulien (2004,101) afirma que, no Apocalipse, cerca de 2 mil conceitos, ideias e palavras são extraídos do Antigo Testamento, sendo este a sua chave interpretativa. Essa imagem remete ao monte Carmelo, no episódio em que o profeta Elias desafiou os profetas de Baal para que se provasse quem era o Deus verdadeiro. A prova tinha que ver com o sinal de fazer fogo descer do céu, a fim de consumir a oferta sobre o altar (ver I Rs 18:22-39). Elias dissera: “O deus que responder por fogo esse é que é Deus” (v. 24). Assim, a experiência do Carmelo se repetirá, mas com uma diferença decisiva, o fogo descerá do céu sobre o “altar errado” (Paulien, 2008, 76). A presunção da besta de dois chifres de ordenar a adoração da “imagem da besta”, como se fosse Deus, a levará a imitar a ação divina no monte Carmelo, numa contrafação da manifestação de “fogo do céu” como prova da divindade. “Apenas os que forem diligentes das Escrituras, e receberem o amor da verdade, estarão ao abrigo dos poderosos enganos que dominam o mundo. Pelo testemunho da Bíblia estes surpreenderão o enganador em seu disfarce” (White, 1988, 625).
Ao exaltar a lei de Deus, a proclamação das três mensagens angélicas despertará a ira do dragão. Em vista disso, uma das principais ações da besta de dois chifres é dirigida contra a lei e a guarda dos mandamentos. A união das duas bestas resulta num movimento global de intolerância (Ap 13:12) em que as pessoas são seladas com uma “marca” (13:16). Esse fato legaliza em todo o mundo a desobediência à lei de Deus, o que vai caracterizar o governo de Satanás. Ao mesmo tempo, a obediência a Deus se tornará uma opção ilegal, naturalmente argumentando-se tratar de violação da vontade divina de acordo com o mundo. Satanás se enfurece por causa da restauração da lei de Deus e da exaltação do Criador, Jesus Cristo, o Senhor do sábado (Mt 12:8). Na verdade, toda restauração da lei divina e da adoração ao verdadeiro Deus, no contexto do grande conflito, é seguida por perseguição e forte tentação que evidenciam a ira do inimigo. Isso ocorre porque desde o início da rebelião no Céu, o grande conflito sempre teve que ver com a lei de Deus. Lúcifer acusou Deus de injustiça e tirania, de privar suas criaturas da liberdade e de impor regras severas de obediência. O contexto do surgimento da rebelião no Céu ajuda a entender o clímax do conflito na Terra. Uma vez que Apocalipse 12-14 trata do clímax do grande conflito, a controvérsia sobre a lei de Deus é seu foco dominante. Há um paralelo estrutural nesse trecho do Apocalipse com os mandamentos de Deus. Os “santos” são aqueles que “guardam os mandamentos de Deus” (Ap 12:17; 14:12). Por contraste, a besta que surge do mar reivindica a adoração para si. A besta de dois chifres que surge da terra ordena que as pessoas façam uma “imagem” à besta e adorem essa “imagem”, contrariamente ao segundo mandamento (Ap 13:12-15; cf. Êx 20:4-6). Ela “seduz” os que habitam na Terra por meio de mentiras, quebrando o mandamento do falso testemunho (Êx 20:16). Ordena a morte daqueles que obedecem a Deus, quebrando o sexto mandamento (Êx 20:13). Esse poder impõe a marca da besta (Ap 13:16) em oposição ao selo de Deus (Ap 7:3), contrariando o quarto mandamento. Uma vez que a lei de Deus é o foco do clímax do grande conflito, descrito em Apocalipse 12 a 14, a marca da besta também deve ser entendida dentro desse contexto. Assim, a marca que é para ser colocada “sobre a mão ou sobre a fronte” das pessoas (13:16) nada tem que ver com algum instrumento tecnológico ou tecnologia que possa ser aplicado(a) para identificar as pessoas com base em algum dado externo. Sendo que a lei de Deus é o foco do conflito, o sentido dessa aplicação da marca da besta deve ser buscado no contexto da lei de Deus, no Antigo Testamento. Na verdade, quando a lei de Deus foi dada ao povo de Israel, Moisés recomendou claramente: “Estas palavras [os dez mandamentos] que, hoje, te ordeno estarão no teu coração [...]. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos [fronte]” (Dt 6:6-8, itálico acrescentado). Ou seja, o sinal ou marca para ser colocado sobre a mão e sobre a testa foi originalmente dado por Deus, e este sinal é a Sua lei. O sinal deve distinguir o povo de Deus como um povo submisso e leal à vontade de Deus, sendo uma vindicação de Seu caráter no contexto do grande conflito. Após reescrever os dez mandamentos (Dt 10:4), Deus recomendou que se guardassem “todos os mandamentos” (11:8), e reiterou que o povo não deixasse seu coração se enganar a fim de servir a outros deuses (11:16). Disse ainda : “Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma; atai-as por sinal na vossa mão, para que estejam por frontal entre os olhos” (11:18, itálico acrescentado). Assim, o sinal ou a marca imposta pela besta (Ap 13:16), no clímax do grande conflito, aponta claramente para uma substituição de lealdade, uma substituição da lei de Deus. A marca da besta aponta para outra lei, outro mandamento, dado para ocupar o lugar da lei de Deus. E pretende a besta que esta marca seja colocada no mesmo lugar em que Deus recomendou a Seus servos atarem a Sua lei: no coração, na mão e na testa, respectivamente, símbolos de amor, ação/trabalho e convicção. Naturalmente, o selo de Deus tem na guarda do sábado sua expressão distintiva, enquanto a marca da besta tem a sua expressão visível na observância do domingo, a contrafação do sábado.
O Remanescente A tensão entre os mensageiros de Deus, representados pelos três anjos de Apocalipse 14:6-12, que proclamam a verdade divina, e a trindade das trevas (o dragão, a besta e a besta de dois chifres) chega a seu clímax quando desce do céu o “quarto anjo”, o qual tem “grande autoridade” e cuja glória “ilumina” toda a Terra (Ap 18:1). Esse anjo representa o movimento de proclamação das três mensagens angélicas revestido do poder do Espírito Santo, cuja voz alcança extensão global, expondo a verdade divina e, consequentemente, desmascarando os pecados de Babilônia e a tríplice união entre o dragão e as duas bestas. Essa situação dá início ao que tem sido chamado de Armagedom, que não é um grade embate escatológico, definitivo e mundial entre as nações, mas um conflito de natureza religiosa e espiritual. “O Armagedom é apresentado como a batalha culminante do grande conflito entre as forças do bem e do mal, iniciado no Céu e que terminará na Terra (Ap 12:7-9, 12).” O Armagedom é caracterizado como a “peleja do grande Dia do Deus Todo-poderoso” (Ap 16:14). “Ele coincide, portanto, com o dia do juízo divino universal” (Holbrook, 2011, 1106). O texto de Apocalipse 12 a 14 mostra que, no final dos tempos, no clímax do grande conflito, é um pequeno grupo que mantém a fé verdadeira em Cristo. Esse grupo é chamado de “restante” ou “resto”, ou ainda “remanescente” (Ap 12:17). O contexto amplo da ação do dragão por meio da “besta” e do “falso profeta”, na imposição de uma marca de natureza religiosa, mostra que em todo o mundo a religião será uma experiência difundida. Contudo, apenas um “remanescente” guardará a Palavra de Deus, permanecendo fiel aos mandamentos divinos e ao testemunho de Jesus. Com essa atitude apoiada o poder vitorioso do sangue do Cordeiro (Ap 12:11), o remanescente escatológico vindicará a justiça de Deus no clímax do grande conflito.
Fonte: Fonte: DORNELES, Vanderlei. O último império: a nova ordem mundial e a contrafação do Reino de Deus. 1 ed. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2012.
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