sábado, 21 de novembro de 2015

Humanos e chimpanzés: o mito dos 99%

Parecidíssimos hein?!!
Não há nada de novo no título desta postagem. Porém, a suposta diferença de 1% em nível genético entre o ser humano e o chimpanzé continua a ser propagada nos meios de divulgação científica, e principalmente nos livros didáticos. Desde 1975, essa estatística enganosa tem sido apresentada como evidência clara de que os humanos e os chimpanzés estariam intimamente relacionados na árvore evolutiva da vida.[1] A famosa estatística de 99% foi baseada na comparação de apenas 97 genes entre os respectivos genomas. O genoma humano contém cerca de 19.000 genes.[2, 3] Portanto, 97 genes representam apenas cerca de 0,5% de todo o nosso genoma. 

Além do mais, a década de 70 estava bem distante do ano em que foi possível comparar diretamente as “letras” individuais (pares de bases) do DNA de humanos e chimpanzés – o primeiro rascunho do DNA humano não foi publicado até 2001.[4] Em 2005, quando o genoma do chimpanzé foi publicado, houve um frenesi na mídia sugerindo que agora tinham provas de que chimpanzés e humanos compartilhavam aproximadamente 99% do mesmo DNA.[5] No entanto, não foi bem isso o que ocorreu. Cada vez mais as pesquisas genéticas revelam que a percentagem de similaridade de DNA tem sido extremamente exagerada.

Em 2013, por exemplo, um estudo experimental realizado por Tomkins, um geneticista norte-americano, demonstrou que apenas 69% do cromossomo X e 43% do cromossomo Y do chimpanzé eram semelhantes aos do humano.[6] Ademais, o nível de similaridade genética (DNA) entre essas espécies é de cerca de 70%, ao invés dos supostos 99% apresentados nos livros didáticos. A variação desses valores é, em parte, devido a cada vez maiores conjuntos de dados que se tornam disponíveis para comparação, mas, principalmente, devido a diferentes pressupostos utilizados no cálculo das porcentagens. Por exemplo, o grau mais elevado de similaridade (99%) relatado por cientistas evolucionistas foi obtido por análise de sequências únicas de DNA que correspondem a partes reais do código genético. Entretanto, as estimativas de menor similaridade (criacionismo ou design inteligente) refletem, por vezes, alinhamentos que incluem vastas extensões de DNA com as regiões não codificantes.

As discrepâncias espalhadas na literatura em relação ao grau de similaridade genética entre humanos e chimpanzés corroboram os dados apresentados por Tomkins. Pesquisas anteriores apresentaram um percentual de similaridade entre as espécies que varia de 70%, em análises de grandes segmentos de DNA não codificantes de proteínas;[7] ~70% quando analisadas as sequencias de DNA do cromossomo Y;[8] 77% na análise do genoma completo;[9] 77,9% na análise do cromossomo 22;[10] 86,7% na análise da região HLA;[11] 93,6% na análise do genoma, levando em consideração o número de cópias dos genes (duplicações gênicas);[12] e 95,2% em análise de cinco grandes sequências de DNA, caindo para ~87% quando inseridas as sequências completas de alta qualidade.[13, 14]

Em 2007, um artigo publicado na revista Science afirmou que a noção popular de que os seres humanos e os chimpanzés são em nível de DNA geneticamente semelhantes em 99% é um mito, e deve ser descartado devido à imprecisão estatística que já era conhecida desde o início de estudos a respeito desse tema.[15] Ainda assim o mito do 1% foi perpetuado em 2012 na mesma revista.[16]

E o que dizer das características principais que tornam os seres humanos e os macacos diferentes, tais como a função cerebral e grandes diferenças de regulação entre genes expressos no cérebro? Em 1975, King e Wilson já haviam postulado que as principais diferenças entre humanos e macacos se devem em grande parte a fatores que controlam a expressão gênica: “Nós sugerimos que mudanças evolucionárias na anatomia e modo de vida são mais frequentemente baseadas em alterações nos mecanismos que controlam a expressão de genes do que em mudanças de sequência em proteínas. Propomos, portanto, que as mutações reguladoras representam as principais diferenças biológicas entre os humanos e os chimpanzés.”[1: p. 107]

Quando o fator “expressão gênica” é avaliado, muitas diferenças genéticas entre humanos e chimpanzés são encontradas. Por exemplo, Oldham e colaboradores publicaram um artigo descrevendo redes genéticas em cérebros humanos e de chimpanzés.[17] De acordo com esses autores, 17,4% das ligações de rede no cérebro foram encontradas no ser humano, mas não no chimpanzé. Eles reafirmaram o postulado de King e Wilson ao dizer que “o maior grau de homologia de sequência entre as proteínas humanas e de chimpanzés suporta a hipótese de longa data de que muitas diferenças fenotípicas entre as espécies refletem diferenças na regulação da expressão genética, em adição às diferenças em sequências de aminoácidos.”[17: p.  17973]

Sem a pretensão de esgotar o assunto, os estudos apresentados representam apenas alguns exemplos dentre diversas outras evidências disponíveis na literatura. Com a publicação contínua de dados do projeto ENCODE,[18] vai se tornar cada vez mais distante a suposta similaridade genética entre as espécies e, portanto, mais difícil manter a mitologia da diferença de 1%.

Referências: 
[1] King MC, Wilson AC. “Evolution at Two Levels in Humans and Chimpanzees.” Science. 1975; 188(4184):107-116.
[2] MGC Project Team. “The completion of the Mammalian Gene Collection” (MGC). Genome Res. 2009; 19(12):2324–2333.
[3] Ezkurdia IJuan DRodriguez JMFrankish ADiekhans MHarrow JVazquez JValencia ATress ML. “Multiple evidence strands suggest that there may be as few as 19000 human protein-coding genes.” Hum Mol Genet. 2014; 23(22):5866-78.
[4] Venter JC, et al. “The Sequence of the Human Genome.” Science. 2001; 291(5507):1304-1351.
[5] “Chimpanzee Sequencing and AnalysisConsortium. Initial sequence of the chimpanzee genome and comparison with the human genome.” Nature. 2005; 437(7055):69-87.
[6] Tomkins JP. “Comprehensive Analysis of Chimpanzee and Human Chromosomes Reveals Average DNA Similarity of 70%.” Answers Research Journal 2013; 6(1):63–69.
[7] Polavarapu NArora GMittal VKMcDonald JF. “Characterization and potential functional significance of human-chimpanzee large INDEL variation.” Mob DNA. 2011; 2:13.
[8] Hughes JF, Skaletsky H, Pyntikova T, Graves TA, van Daalen SK, Minx PJ, Fulton RS, McGrath SD, Locke DP, Friedman C, Trask BJ, Mardis ER, Warren WC,Repping S, Rozen S, Wilson RK, Page DC. “Chimpanzee and human Y chromosomes are remarkably divergent in structure and gene content.” Nature. 2010; 463(7280):536-9.
[9] Ebersberger IGalgoczy PTaudien STaenzer SPlatzer Mvon Haeseler A. “Mapping human genetic ancestry.” MolBiol Evol. 2007; 24(10):2266-76.
[11] Anzai TShiina TKimura NYanagiya KKohara SShigenari AYamagata TKulski JKNaruse TKFujimori YFukuzumi YYamazaki MTashiro HIwamoto CUmehara YImanishi TMeyer AIkeo KGojobori TBahram SInoko H“Comparative sequencing of human and chimpanzee MHC class I regions unveils insertions/deletions as the major path to genomic divergence.” Proc Natl Acad Sci USA. 2003; 100(13):7708-13.
[12] Demuth JPDe Bie TStajich JECristianini NHahn MW. “The evolution of mammalian gene families.” PLoS One. 2006; 1:e85.
[13] Britten RJ. “Divergence between samples of chimpanzee and human DNA sequences is 5% counting indels.” Proc. Nat. Acad. Sci. 2002; 99:13633-13635.
[14] Tomkins J, Bergman J. “Genomic monkey business—estimates ofnearly identical human-chimp DNA similarity re-evaluated using omitted data.” Journal of Creation 2012; 26(1):94-100.
[15] Cohen J. “Relative differences: the myth of 1%.” Science. 2007; 316(5833):1836.
[16] Gibbons A. “Bonobos join chimps as closest human relatives.” [Jun. 2012]. Science News, 2012. Disponível em: http://news.sciencemag.org/plants-animals/2012/06/bonobos-join-chimps-closest-human-relatives
[17] Oldham MCHorvath SGeschwind DH. “Conservation and evolution of gene coexpression networks in human and chimpanzee brains.” Proc Natl Acad Sci USA. 2006; 103(47):17973-8.
[18] The ENCODE Project. Disponível em: http://www.genome.gov/encode/

Fonte: Everton Fernando Alves é enfermeiro e mestre em Ciências da Saúde pela UEM; seu e-book pode ser lido aqui. Via Criacionismo.

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