Mas, como as estrelas no vasto circuito de sua indicada
órbita, os desígnios de Deus não conhecem adiantamento nem tardança. Mediante
os símbolos da grande escuridão e do forno fumegante, Deus revelara a Abraão a
servidão de Israel no Egito, e declarara que o tempo de sua peregrinação seria
de quatrocentos anos. "Sairão depois com grandes riquezas." Gên.
15:14. Contra essa palavra, todo o poder do orgulhoso império de Faraó batalhou
em vão. "Naquele mesmo dia", indicado na promessa divina, "todos
os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito." Êxo. 12:41. Assim, nos
divinos conselhos fora determinada a hora da vinda de Cristo. Quando o grande
relógio do tempo indicou aquela hora, Jesus nasceu em Belém.
"Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu
Filho." A Providência havia dirigido os movimentos das nações, e a onda do
impulso e influência humanos, até que o mundo se achasse maduro para a vinda do
Libertador. As nações estavam unidas sob o mesmo governo. Falava-se vastamente
uma língua, a qual era por toda parte reconhecida como a língua da literatura.
De todas as terras os judeus da dispersão reuniam-se em Jerusalém para as
festas anuais. Ao voltarem para os lugares de sua peregrinação, podiam espalhar
por todo o mundo as novas da vinda do Messias. Por essa época, os sistemas pagãos iam perdendo o domínio
sobre o povo. Os homens estavam cansados de aparências e fábulas. Ansiavam uma
religião capaz de satisfazer a alma. Conquanto a luz da verdade parecesse
afastada dos homens, havia almas ansiosas de luz, cheias de perplexidade e dor.
Tinham sede do conhecimento do Deus vivo, da certeza de uma vida para além da
morte.
À medida que Israel se havia separado de Deus, sua fé se
enfraquecera, e a esperança deixara, por assim dizer, de iluminar o futuro. As
palavras dos profetas eram incompreendidas. Para a massa do povo, a morte era
um terrível mistério; para além, a incerteza e as sombras. Não era só o pranto
das mães de Belém, mas o clamor do grande coração da humanidade, que chegou ao
profeta através dos séculos - a voz ouvida em Ramá, "lamentação, choro e
grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada,
porque já não existem". Mat. 2:18. Na "região da sombra da
morte", sentavam-se os homens sem consolação. Com olhares ansiosos,
aguardavam a vinda do Libertador, quando as trevas seriam dispersas, e claro se tornaria o
mistério do futuro.
Fora da nação judaica houve homens que predisseram o
aparecimento de um instrutor. Esses homens andavam em busca da verdade, e foi-lhes
comunicado o Espírito de inspiração. Um após outro, quais estrelas num céu
enegrecido, haviam-se erguido esses mestres. Suas palavras de profecia
despertaram a esperança no coração de milhares, no mundo gentio. Fazia séculos que as Escrituras haviam sido traduzidas para
o grego, então vastamente falado no império romano. Os judeus estavam
espalhados por toda parte, e sua expectação da vinda do Messias era, até certo
ponto, partilhada pelos gentios. Entre aqueles a quem os judeus classificavam
de pagãos, encontravam-se homens que possuíam melhor compreensão das profecias
da Escritura relativas ao Messias, do que os mestres de Israel. Alguns O
esperavam como Libertador do pecado. Filósofos esforçavam-se por estudar a
fundo o mistério da organização dos hebreus. A hipocrisia destes, porém,
impedia a disseminação da luz. Com o fito de manter a separação entre eles e as
outras nações, não se dispunham a comunicar o conhecimento que ainda possuíam
quanto ao serviço simbólico. Era preciso que viesse o verdadeiro Intérprete. Aquele a quem todos esses tipos prefiguravam,
devia explicar o sentido dos mesmos.
Por meio da Natureza, de figuras e símbolos, de patriarcas e
profetas, Deus falara ao mundo. As lições deviam ser dadas à humanidade na
linguagem da própria humanidade. O Mensageiro do concerto devia falar. Sua voz
devia ser ouvida em Seu próprio templo. Cristo tinha de vir para proferir
palavras que fossem clara e positivamente compreendidas. Ele, o autor da
verdade, devia separá-la da palha das expressões humanas, que a haviam tornado
de nenhum efeito. Os princípios do governo de Deus e o plano da redenção,
deviam ficar claramente definidos. As lições do Antigo Testamento precisavam
ser plenamente apresentadas aos homens.
Havia entre os judeus ainda algumas almas firmes,
descendentes daquela santa linhagem através da qual fora conservado o
conhecimento de Deus. Estes acalentavam a esperança da promessa feita aos pais.
Fortaleciam a fé repousando na certeza dada por intermédio de Moisés: "O
Senhor vosso Deus vos suscitará um profeta dentre vossos irmãos, semelhante a
mim: a Este ouvireis em tudo que vos disser." Atos 3:22. E novamente liam
como o Senhor havia de ungir Alguém "para pregar boas novas aos
mansos", "restaurar os contritos de coração", "proclamar
liberdade aos cativos", e apregoar "o ano aceitável do Senhor".
Isa. 61:1 e 2. Liam como Ele havia de estabelecer "a justiça sobre a
Terra", como as ilhas aguardariam a "Sua doutrina", (Isa. 42:4)
como os gentios andariam à Sua luz, e os reis ao resplendor que Lhe nascera.
Isa. 60:3.
As derradeiras palavras de Jacó os enchiam de esperança:
"O cetro não se arredará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até
que venha Siló." Gên. 49:10. O enfraquecido poder de Israel testemunhava
que a vinda do Messias estava às portas. A profecia de Daniel pintava a glória
do Seu reino sobre um domínio que sucederia a todos os impérios terrestres; e
disse o profeta: "subsistirá para sempre". Dan. 2:44. Ao passo que
poucos entendiam a natureza da missão de Cristo, era geral a expectativa de um
poderoso príncipe que havia de estabelecer seu reino em Israel, e que viria
como um libertador para as nações.
Chegara a plenitude dos tempos. A humanidade, tornando-se
mais degradada através dos séculos de transgressão, pedia a vinda do Redentor.
Satanás estivera em operação para tornar intransponível o abismo entre a Terra
e o Céu. Por suas falsidades tornara os homens atrevidos no pecado. Era seu
desígnio esgotar a paciência de Deus, e extinguir-Lhe o amor para com os
homens, de maneira que Ele abandonasse o mundo à satânica jurisdição. Satanás estava procurando vedar ao homem o conhecimento de
Deus, desviar-lhe a atenção do templo divino, e estabelecer seu próprio reino.
Dir-se-ia coroada de êxito sua luta pela supremacia. É verdade, que, em toda
geração, Deus tem Seus instrumentos. Mesmo entre os gentios, havia homens por
meio dos quais Cristo estava operando para elevar o povo de seu pecado e
degradação. Mas esses homens eram desprezados e aborrecidos. Muitos deles haviam
sofrido morte violenta. A escura sombra que Satanás lançara sobre o mundo,
tornara-se cada vez mais densa. Por meio do paganismo, Satanás desviara por séculos os
homens de Deus; mas conseguira seu grande triunfo ao perverter a fé de Israel.
Contemplando e adorando suas próprias concepções, os gentios haviam perdido o
conhecimento de Deus, tornando-se mais e mais corruptos. O mesmo se deu com
Israel. O princípio de que o homem se pode salvar por suas próprias obras, e
que jaz à base de toda religião pagã, tornara-se também o princípio da religião judaica. Implantara-o Satanás. Onde
quer que seja mantido, os homens não têm barreira contra o pecado.
A mensagem de salvação é comunicada aos homens por
intermédio de instrumentos humanos. Mas os judeus haviam procurado monopolizar
a verdade, que é a vida eterna. Entesouraram o vivo maná, que se corrompera. A
religião que tinham buscado guardar só para si, tornara-se um tropeço. Roubavam
a Deus de Sua glória, e prejudicavam o mundo por uma falsificação do evangelho.
Haviam recusado entregar-se a Deus para a salvação do mundo, e tornaram-se
instrumento de Satanás para sua destruição.
O povo a quem Deus chamara para ser a coluna e fundamento da
verdade, transformara-se em representante de Satanás. Faziam a obra que este
queria que fizessem, seguindo uma conduta em que apresentavam mal o caráter de
Deus, fazendo com que o mundo O considerasse um tirano. Os próprios sacerdotes
que ministravam no templo haviam perdido de vista a significação do serviço que
realizavam. Deixaram de olhar, para além do símbolo, àquilo que ele
significava. Apresentando as ofertas sacrificais, eram como atores num palco.
As ordenanças que o próprio Deus indicara, tinham-se tornado o meio de cegar o
espírito e endurecer o coração. Deus não poderia fazer nada mais pelo homem por
meio desses veículos. Todo o sistema devia ser banido.
O engano do pecado atingira sua culminância. Todos os meios
para depravar a alma dos homens haviam sido postos em operação. Contemplando o
mundo, o Filho de Deus viu sofrimento e miséria. Viu, com piedade, como os
homens se tinham tornado vítimas da crueldade satânica. Olhou compassivamente
para os que estavam sendo corrompidos, mortos, perdidos. Estes tinham escolhido
um dominador que os jungia a seu carro como cativos. Confundidos e enganados,
avançavam, em sombria procissão rumo à ruína eterna - para a morte em que não
há nenhuma esperança de vida, para a noite que não tem alvorecer. Agentes
satânicos estavam incorporados com os homens. O corpo de criaturas humanas,
feito para habitação de Deus, tornara-se morada de demônios. Os sentidos, os
nervos, as paixões, os órgãos dos homens eram por agentes sobrenaturais levados
a condescender com a concupiscência mais vil. O próprio selo dos demônios se
achava impresso na fisionomia dos homens. Esta refletia a expressão das legiões
do mal de que se achavam possessos. Eis a perspectiva contemplada pelo Redentor
do mundo. Que espetáculo para a Infinita Pureza!
O pecado se tornara uma ciência, e era o vício consagrado
como parte da religião. A rebelião deitara fundas raízes na alma, e violenta
era a hostilidade do homem contra o Céu. Ficara demonstrado perante o Universo
que, separada de Deus, a humanidade não se poderia erguer. Novo elemento de
vida e poder tinha de ser comunicado por Aquele que fizera o mundo.
Com intenso interesse, os mundos não caídos observavam para
ver Jeová levantar-Se e assolar os habitantes da Terra. E, fizesse Deus assim,
Satanás estaria pronto a levar a cabo seu plano de conquistar a aliança dos
seres celestiais. Declarara ele que os princípios de Deus tornavam impossível o
perdão. Houvesse o mundo sido destruído, e teria pretendido serem justas as
suas acusações. Estava disposto a lançar a culpa sobre o Senhor, e estender sua
rebelião pelos mundos em cima. Em lugar de destruir o mundo, porém, Deus enviou
Seu Filho para o salvar. Embora se pudessem, por toda parte do desgarrado
domínio, ver corrupção e desafio, foi provido um meio para resgatá-lo. Justo no
momento da crise, quando Satanás parecia prestes a triunfar, veio o Filho de
Deus com a embaixada da graça divina. Através de todos os séculos, de todas as
horas, o amor de Deus se havia exercido para com a raça caída. Não obstante a
perversidade dos homens, os sinais da misericórdia tinham sido constantemente
manifestados. E, ao chegar à plenitude dos tempos, a Divindade era glorificada
derramando sobre o mundo um dilúvio de graça vivificadora, o qual nunca seria
impedido nem retido enquanto o plano da salvação não se houvesse consumado.
Satanás rejubilava por haver conseguido rebaixar a imagem de
Deus na humanidade. Então veio Cristo, a fim de restaurar no homem a imagem de seu Criador. Ninguém, senão Cristo,
pode remodelar o caráter arruinado pelo pecado. Veio para expelir os demônios
que haviam dominado a vontade. Veio para nos erguer do pó, reformar o caráter
manchado, segundo o modelo de Seu divino caráter, embelezando-o com Sua própria
glória.
Fonte: O Desejado de Todas as Nações, capítulo 4.
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